A versão atual do projeto pode reforçar a doutrina do aborto "legal"
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz, Presidente do Pró-Vida de Anápolis
O Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei 478/2007) foi elaborado com a intenção de
proteger a criança por nascer (o nascituro) e afastar definitivamente de nosso país o
fantasma do aborto. O texto original, apresentado pelo Pró-Vida de Anápolis em
2004, sofreu um grande empobrecimento:
a) Foi excluída a proteção penal prevista para o nascituro.
b) Foi excluída também a importantíssima afirmação de que o nascituro é pessoa,
conforme estabelecido no Pacto de São José da Costa Rica. Sem o
reconhecimento explícito da personalidade do nascituro, os direitos a ele
atribuídos serão interpretados como meras "expectativas de direitos", como
hoje fazem tantos doutrinadores.
c) Mas o pior de tudo é que a atual versão é capaz de fortalecer a opinião
(falsa) de que no Brasil o aborto é "legal" quando a gravidez resulta de
estupro (art. 128, II, CP).
A tragédia ocorreu em 19/05/2010, quando o PL 478/2007 estava em votação
na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados.
O que estava em votação era a versão — já bastante empobrecida — do substitutivo
apresentado pela relatora deputada Solange Almeida (PMDB/RJ). Os abortistas
argumentaram que o artigo 13 do substitutivo, ao oferecer proteção e assistência
ao nascituro concebido em um estupro, iria extinguir o (suposto) "aborto legal"
(art. 128, II, CP) no país.
Seria de se esperar que os deputados pró-vida replicassem que no Brasil
não existe "aborto legal" a ser extinto. Se estivessem juridicamente preparados
para o debate, eles explicariam aos adversários que o Código Penal não
"permite" (nem poderia permitir) o aborto em caso algum; apenas deixa de
aplicar a pena ao criminoso se o crime já foi consumado[1]. O despreparo
dos pró-vida, porém, era completo. Foi desolador presenciar como eles
concordaram que o aborto legal existe (!) e afirmaram veementemente que
o Estatuto do Nascituro não revogaria esse "direito" de abortar.
Nessa partida de futebol em que todos chutavam para todos os lados, acabou
ocorrendo um gol, mas um "gol contra". O deputado Arnaldo Faria de Sá
(PTB/SP), com a intenção de acalmar a discussão, sugeriu à relatora que fizesse
uma "complementação de voto" a fim de assegurar que o Estatuto do Nascituro
não revogaria o suposto aborto "legal" contido no artigo 128, II do Código
Penal. Solange Almeida (PMDB/RJ) aceitou a proposta. Fez uma complementação
de voto a fim de assegurar — pasmem! — que os direitos do nascituro concebido
em um estupro (art. 13 da proposta) não extinguiriam o suposto direito de
o médico matá-lo! Os direitos do bebê foram mantidos, porém, "ressalvados
(sic) o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro". Esse deplorável
enxerto, tremendo gol contra feito pelos pró-vida, foi aprovado pela
Comissão de Seguridade Social e Família naquela sessão.
A proposta está agora para ser votada na Comissão de Finanças e Tributação,
tendo como relator o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). O relator deu
parecer favorável ao projeto, com uma pequena emenda para adequação
financeira: "Esta lei entra em vigor na data de sua publicação e surtirá efeitos
financeiros a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao de sua publicação".
E quanto ao texto inserido na última hora pela antiga relatora Solange Almeida?
Permanece como estava. E agora?
A propaganda do gol contra
Por estranho que pareça, o Movimento Brasil Sem Aborto vem-se mobilizando
para aprovar o Estatuto do Nascituro sem mostrar nenhuma preocupação
quanto ao enxerto nele introduzido. Ao contrário, em uma mensagem divulgada
pelo Movimento, parece até que ele faz propaganda do gol contra. A fim de
que o projeto seja aprovado, pede-se aos cidadãos que digam aos deputados
que
... o Substitutivo deste Projeto de Lei em análise na Comissão de
Finanças e Tributação NÃO MODIFICA o Código Penal Brasileiro
no que se refere à EXCLUDENTE DE PUNIBILIDADE quando
a gravidez resultante de violência sexual (estupro). Em relação
a esta questão o Estatuto do Nascituro não revoga, portanto, o
que está disposto no artº 128 do Código Penal Brasileiro [2].
No texto acima, o enorme destaque tipográfico é do original.
Tem-se a impressão de que o Movimento Brasil Sem Aborto faz do gol
contra uma glória da versão atual do Estatuto do Nascituro.
O que pode acontecer
Se o Estatuto do Nascituro for aprovado como está — com o apoio de
passeatas e coletas de assinaturas — a criança por nascer poderá sofrer um
terrível golpe. É verdade que, o artigo 128, CP, citado na complementação
de voto da deputada Solange Almeida, não fala de uma permissão para aborto.
No entanto, é necessário observar três coisas:
A primeira é que, quando a deputada fez sua complementação de voto, estava
convencida de que o aborto "legal" existia e desejava conservar esse suposto
"direito" de matar a fim de aquietar os abortistas.
A segunda é que os todos os deputados pró-vida presentes naquela sessão
acompanharam e aprovaram esse entendimento errôneo da relatora.
A terceira é que, se esse enxerto for mantido (Deus não o permita!), ele
servirá para reforçar a tese de que existe o aborto "legal" no país. Com efeito,
ao ler o texto do artigo 13 ("O nascituro concebido em decorrência de
estupro terá assegurado os seguintes direitos, ressalvados o disposto no
Art. 128 do Código Penal Brasileiro"), os doutrinadores perguntarão a
si mesmos: por que essa ressalva? E poderão concluir: tal ressalva seria
desnecessária se o artigo 128 do Código Penal não permitisse o aborto.
Logo, dirão eles que, com base no Estatuto do Nascituro (!), o aborto
é permitido quando a gravidez resulta de estupro.
Por que não outros projetos?
É lamentável que o Movimento Brasil Sem Aborto esteja concentrando todas
as suas forças em aprovar uma versão distorcida do Estatuto do Nascituro.
Infelizmente não é verdade o que está escrito no convite para a 6ª Marcha
Nacional da Cidadania pela Vida (de 04/06/2013): "aprovar o Estatuto do
Nascituro é impedir, definitivamente, que o aborto seja legalizado em nosso
país"[3].
Por que o Movimento Brasil Sem Aborto não se mobiliza pela aprovação
de outros projetos — estes sim de efeito imediato na proteção do nascituro?
Eis dois exemplos:
1) A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 164, de 2012,
de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que pretende
inserir no artigo 5º de nossa Constituição as sagradas palavras "desde
a concepção" após "a inviolabilidade do direito à vida". Até hoje essa
PEC está parada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJC) aguardando a designação de um relator.
2) O Projeto de Decreto Legislativo (PDC) n.º 565, de 2012, de
autoria do deputado Marco Feliciano (PSC/SP), que pretende
sustar a decisão do STF que declarou não ser crime o aborto de
crianças anencéfalas. Até hoje o projeto aguarda o julgamento de
um recurso (REC 148/2012) contra a decisão do então presidente
da Câmara, Marco Maia (PT/RS), que o considerou "inconstitucional".
Um detalhe importante: ambas as proposições acima — a PEC 164/2012 e
o PDC 565/2012 — não passarão pela mesa da Presidente da República!
O Congresso poderá promulgá-las sem interferência de Dilma Rousseff.
Ao contrário, o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), mesmo que seja
corrigido e só depois aprovado, poderá ser vetado, total ou parcialmente,
pela nossa Presidente. E a derrubada de um veto presidencial pelo
Congresso é praticamente impossível, pois requer a maioria absoluta dos
deputados e senadores (art. 66, §4º, CF).
Conclusão
No Movimento Brasil Sem Aborto há grandes amigos meus, verdadeiros
pró-vida, que desejam extirpar o aborto do Brasil e não poupam esforços
para esse fim.
É preocupante, porém, que o Movimento não tenha entendido o perigo
da aprovação irrestrita e incondicional da atual versão do Estatuto do
Nascituro. Os milhares de cidadãos que colocam seus nomes no abaixo-assinado
não estão sendo advertidos sobre isso.
É lamentável ainda que esse Movimento, ao contrário dos outros grupos
pró-vida, evite sistematicamente levantar a bandeira da defesa da família.
Evita-se falar contra a exaltação do homossexualismo e a união de pessoas
do mesmo sexo.
Enfim, esse Movimento tem sempre procurado poupar o Partido dos
Trabalhadores (PT). Nas eleições presidenciais de 2006, não encontrei no
portal do "Brasil Sem Aborto" nenhuma referência ao programa de governo
do candidato Lula, do PT, que previa, em seu segundo mandato, a
legalização do aborto. No entanto, lembro-me de o portal ter exibido
"45 razões para não votar em Geraldo Alckmin", adversário do
candidato petista...
[1] Em Direito Penal, isso se chama "escusa absolutória". O crime permanece, mas o agente não
recebe aplicação da pena, por razões de política criminal.
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